Tabacaria
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do
mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que
ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada
constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa,
desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e
dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos
brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela
estrada de nada.
Álvaro de Campos: "Tabacaria" (excerto)
Paulo Coutinho,
03/mar/2014
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